8/19/2004
TRÊS SÍLABAS SINISTRAS: OBRA PRIMA!
Na insuspeita Wax Poetics escreveu-se, a propósito de Three Sinister Syllables, qualquer coisa como “aqui está a nova Cabala. Estudem-na bem!” Percebe-se perfeitamente. Pro Celebrity Golf e Jay Glaze (quer acreditem, quer não, estes são os nomes dos dois génios loucos responsáveis por Three Sinister Syllables na Chopped Herring Records) criaram uma obra prima de Cut n’ Paste que é, ao mesmo tempo, uma espécie de registo exaustivo dos tesouros do Templo do Crate Diggin’ Universal. Confusos? Não estarão após o próximo parágrafo (i hope…).
Actualizando para 2004 a nobre arte do Cut n’ Paste iniciada por gente como Grandmaster Flash no clássico “Adventures on The Wheels of Steel” e prosseguida por devotos discípulos como Double Dee & Steinski (na famosa série das Lessons 1, 2 & 3), Coldcut ou, mais recentemente, pela dupla Shadow & Chemist, Golf & Glaze (é melhor simplificar o esoterismo dos nomes…) criam uma delirante viagem por um mundo de breaks, spoken Word records, loops de discos do leste europeu e excertos de exercícios psicadélicos escavados em Israel e outros locais exóticos. Ao todo são 74 minutos de puro paraíso aural, com centenas de excertos colados com classe e pontaria de campeão olímpico.
O carácter único de Three Sinister Syllables acaba por assentar no facto de Golf & Glaze terem concebido o seu álbum algures a meio caminho entre a tradição Cut n’ Paste e a escola europeia de Diggin’.
Passo a explicar. Embora Golf & Glaze reclamem a herança do Cut n’ Paste logo na capa (o disco é apresentado com uma colagem, com o título a ser composto com letras recortadas ao melhor estilo punk de uma série de discos clássicos de Hip Hop, dos A Tribe Called Quest aos Public Enemy), nunca sacrificam o seu abstracto desejo narrativo ao tecnicismo que por vezes é levado um pouco longe demais neste tipo de discos. Aqui, a música deixa-se respirar, para que se desenrole o fio condutor que dá alma a este disco: uma espécie de sonho molhado de qualquer digger, com breaks atrás de breaks, alguns absolutamente virgens, outros vindos directamente do território fértil do Hip Hop mais alternativo – de MF Doom (toda a terceira faixa lhe é dedicada) a Paul Barman. E esse é o segundo carácter distintivo deste disco. Normalmente as mixtapes ou compilações de diggers limitam-se a alinhar tema raro atrás de tema raro (caso da série Dusty Fingers) ou então são exercícios com o seu quê de masturbatório que alinham originais de temas que causaram furor no meio Hip Hop (ouçam-se as compilações de Soulman, por exemplo). A dupla Golf & Glaze não cai em nenhum dos extremos e prefere equilibrar a apresentação de alguns excertos bem familiares com a exploração de terreno desconhecido, mostrando-nos no processo dezenas de pequenos samples ainda à espera do produtor certo para serem glorificados. Depois é deixar a música respirar sem esquecer os cortes certeiros e precisos, que garantem que haja um groove constante, apesar das contínuas mudanças de rumo. Não há ruído em Three Sinister Syllables. E falo de ruído no sentido de perturbação do conteúdo da mensagem. As colagens são fluidas, perfeitas, calculadas.
Arqueologia sonora, arte pop, Hip Hop, diggin’, coleccionismo, bravado… Está tudo em Three Sinister Syllables de Pro Celebrity Golf e Jay Glaze. Classificação? Obra prima, caso ainda não tenham percebido!