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HitdaBreakz

8/11/2004

DANNY KRIVIT - CUTTING DA FUNK


A propósito de um maxi de James Brown com um pequeno edit do grande Danny Krivit, de que falarei noutro post, lembrei-me de mais um texto de RMA publicado na Dance Club. O disco que motivou esse texto é recente, foi editado na sempre imaculada Strut e merece toda a vossa atenção.



DANNY KRIVIT


ALTA COSTURA


Bill Brewster e Frank Broughton, no livro “Last Night a Dj Saved My Life”, ilustram na perfeição uma história que se revela afinal um longo processo de micro-mutações e fluidos gestos de génio e nunca uma sequência de esforços isolados e invenções nascidas de geração espontânea. A música de dança tal como a conhecemos hoje – e principalmente as tipologias mais dirigidas ao centro da pista, como o House – não nasceu, antes foi nascendo, fruto da necessidade do DJ gerir da melhor maneira não apenas os recursos musicais disponíveis, mas igualmente a atenção do público que, no centro do clube, procurava incessantemente o estímulo rítmico ideal.
Como em tantas outras coisas, Nova Iorque foi o palco para muitos destes avanços revolucionários. Na primeira metade dos anos 70, quando a recém descoberta vocação orquestral do Funk e da Soul se conjugaram para dar nascimento ao Disco Sound, os DJ’s começaram a experimentar, usando a cabine como laboratório de ensaio e o público na pista como as suas cobaias. O facto de na época a maior parte dos lançamentos ser ainda em vinil de 7 polegadas representava alguns problemas: o som era muito baixo e os temas demasiado curtos para permitirem ao DJ encarar cada disco como uma etapa de uma viagem mais alargada. Por isso mesmo, e de forma diferente, pessoas como Walter Gibbons ou Tom Moulton começaram a pensar em soluções para o problema. Gibbons, por um lado, aprendeu a usar dois leitores de cassetes e a mesa de mistura para ganhar amplitude de movimentos e poder estender, ao vivo, as partes das canções que melhor eco recebiam por parte dos dançarinos. Por outro lado, Tom Moulton, descobriu, por acidente, o maxi de doze polegadas ao prensar um “edit” que tinha feito no único formato disponível no momento no estúdio de masterização: um acetato de doze polegadas! Tal facto permitiu-lhe constatar que o som geral ficava mais alto e os baixos mais profundos, maximizando assim o impacto dos seus trabalhos junto da pista.
Foi com estas duas coordenadas que Danny Krivit começou a trabalhar. E o facto de ter passado pelo mítico clube The Roxy, onde ouviu gente como Grandmixer DST (o autor do “scratch” no clássico “Rockit” de Herbie Hancock) a fazer com duas cópias do mesmo disco aquilo que ele sonhava ser capaz de criar com fita magnética, tesoura e fita-cola, inspirou-o a criar os seus próprios “edits”. Assim nasceu “Feelin’ James”, o seu primeiro “edit” a sério, baseado no “break” de “Funky Drummer” de James Brown e informado pela nascente cultura Hip Hop.
Um “edit” diferenciava-se de uma “remix”, antes de mais nada, por causa do seu cariz ilegal, uma vez que o DJ que procurava melhorar um tema para usar nos seus “sets” o fazia sem ter acesso autorizado aos “masters” de determinado artista, transferindo ao invés disso o disco que queria editar para um gravador de bobines e cortando fisicamente a fita para retirar as partes que não interessavam – geralmente vocais – e para repetir as que funcionavam melhor – na maior parte das vezes “breakdowns”, quando o tema se despia até à base rítmica.
O disco que a Strut nos traz agora, com assinatura de Danny Krivit, é a continuação lógica de “Grass Roots” que nos apresentava o lado das suas influências formativas. Neste novo álbum, “Edits By Mr. K.”, é-nos dado a conhecer o trabalho de Danny Krivit sobre uma série de clássicos que se estendem desde finais dos anos 60 até aos últimos anos da década seguinte. Em nomes como Diana Ross, Cymande, Betty Wright, LTD, Lenny Williams ou Sly and The Family Stone, Krivit encontrava à sua disposição uma série de momentos-chave do desenvolvimento da música negra e a matéria prima necessária para a sua procura incessante do segredo propulsor das pistas de dança. A maneira como prolonga fisicamente os momentos de maior explosão rítmica, com cortes de precisão imaculada, ajudou a definir um “template” para o House. E, antes de tudo o resto, o que se torna evidente pela audição deste disco é a enorme paixão que Krivit nutre pela actividade de apresentar discos em frente a um público interessado em explorar toda a extensão do poder rítmico da música. No processo, Krivit reinventa peças clássicas, re-arranjando os originais através de um complexo sistema de sublinhados, alterando a ordem natural da narrativa de cada música, dando mais espaço às canções para respirarem. Não se enganem, “Edits By Mr. K” é um autêntico tesouro e um monumento vivo às capacidades inventivas do DJ, figura que hoje já ninguém contesta e que ajudou a traçar os rumos musicais do século passado. Esse trabalho, claro, prossegue no novo milénio!