8/23/2004
BREAKS - O ANTES E O DEPOIS
Breaks. É, ao pé de diggin', a palavra mais falada neste blog, não? Já falámos na importância que os breaks têm - a teoria, o blá blá que nos ajuda a entender porque raio é que anda tudo louco à procura em discos antigos de pedaços de som de bateria sem nenhum outro instrumento por cima. Mas, como noutras tantas coisas, o mundo da teoria não serve para muito. Por isso, vamos à prática.
Um break num disco, muitas das vezes, é um momento rapidíssimo: o disco está a tocar, blam!, temos o break, blam!, acabou o break e a música volta ao normal. O que é importante nos breaks é ter, como os músicos que iremos ouvir a seguir tiveram, a capacidade para ver onde é que aquele break se encaixa na nossa música. Ter a capacidade para ouvir aqueles segundos e dizer "isto serve". É que parece mais fácil do que é. Não é - é das coisas mais difíceis do sampling.
Neste post, vamos poder ouvir um break original e as adaptações bem diferentes que muitos músicos fizeram dessa apropriação do break original. Não nos vamos cingir ao hiphop, vamos andar por muitos outros lados, desde a pop ao drum n' bass.
Vamos abordar quatro breaks que não foram escolhidos ao acaso. São quatro dos breaks mais importantes da história da música moderna : o Funky Drummer do James Brown; o Synthetic Substitution do Melvin Bliss; o Amen Brother dos Winstons; e o Ashley's Roachclip dos Soul Searchers. Muitos de vocês, provavelmente, depois de ouvirem os breaks, irão ser capazes de nomear mais umas quantas músicas actuais que usam os breaks em questão - é que estes quatro discos são, sem dúvida nenhuma, os breaks mais samplados de todos os tempos. Vamos a eles.
Vou meter aqui vários links e todos eles contêm audio. O primeiro link é o break original e os seguintes são músicas que usaram esse break. Algumas músicas são conhecidíssimas, outras mais obscuras. Nalguns casos, o break vai ser fácil de ser detectado, noutros, nem por isso. No entanto, ali estão eles, transformados, editados, cortados, apenas sujeitos à imaginação do músico que os distorce.
1. JAMES BROWN - FUNKY DRUMMER
Em primeiro lugar, temos o Funky Drummer do James Brown, que é, quase de certeza, O break mais samplado de todos. Gravado originalmente em 1969 para a editora King, divide-se na parte 1 e 2 para cada lado do 45 rotações. No entanto, é possível encontrar a faixa toda e completa no álbum da Polydor, In the jungle groove (1986), que compila os maiores sucessos do James Brown, anteriormente editados em singles, e que é um dos seus discos fundamentais. O baterista de serviço é Clyde Stubblefield e faz um boom boom bap... bap bap boom bap irrepetível e tão tão original.
Podemos ouvir este break nestes temas:
Public Enemy - Bring the noise [audio]
Do álbum "It takes a nation of millions to hold us back", de 1998.
Dr. Dre - Let me ride [audio]
Um dos discos clássicos do hiphop e a definição do que é o g-funk, o "The Chronic" (1992), usa, neste megasucesso de Dr. Dre, o break também. Estejam atentos às tarolas do break original a aparecerem, a pontuarem o break.
Kriss Kross - Jump [audio]
O break do Funky Drummer neste sucesso mundial dos putos com a roupa ao contrário está "simulado", cortado - só meteram a parte inicial do break mas é perfeitamente audível o seguimento do break, a tarola que vem a seguir está lá, quase que fantasmagóricamente.
Deep Forest - Deep Forest [audio]
Os reis da música pop ambiental usaram o Funky Drummer neste tema, resultando numa das mais improváveis misturas musicais de todos os tempos: James Brown e cânticos de pigmeus.
2. MELVIN BLISS - SYNTHETIC SUBSTITUTION
O lado B do single Reward , editado na Sunburst em 1977. Foi posteriormente reeditado para o mercado inglês na Contempo, por isso, será mais fácil encontrarem aqui na Europa o single da Contempo. Mesmo assim, não é um disco muito comum.
O Synthetic Substitution foi usado em:
Ultramagnetic MCs - Ego Trippin [audio]
Um dos grandes clássicos do hiphop vem do grupo do Kool Keith, os Ultramagnetic MCs. Acaba quase por ser só o break e os MCs - quase como o Raw do Big Daddy Kane.
Dr. Octagon - Wild and Crazy [audio]
Parece que o Kool Keith gosta imenso deste break porque o usou noutro álbum posterior: este Dr. Octagonecologyst. Este álbum de 1996 que contém este Wild and Crazy, é do Kool Keith enquanto Dr. Octagon e conta com o total apoio do grande DJ QBert, provavelmente o maior (a par de Mixmaster Mike, agora nos Beastie Boys) turntablista de todos os tempos, e do Dan The Automator, agora dos multiplatinamundial Gorillaz. Deste álbum, o meu tema preferido é o Blue Flowers, que usa um sample de, imaginem, Bela Bartok - grande Automator! O break, neste tema, é bastante fácil de ouvir, não foi muito modificado.
3. THE WINSTONS - AMEN, BROTHER
É, por muitos, considerado o break que define o som rítmico do drum n' bass. E até faz sentido: não há muitos breaks com esta velocidade e com esta pujança - ambos elementos importantes para os ritmos fortes do drum n' bass, suficientemente fortes para suportarem aquele baixo dub que é tão característico.
Qualquer pessoa que esteja mais a par da música de dança conhece este break, mesmo que não saiba que o está a ouvir. Foi usado pelo Squarepusher, pelo LTJ Bukem, pelo Luke Vibert, pelos 4 Hero, Dillinja, J Majik... enfim, acho que não há ninguém no drum n' bass que não tenha uma vez na vida usado este break. Mas não foi só o drum n' bass que teve o monopólio do uso do break. Por isso, vai ser engraçado podermos comparar como o mesmo break é capaz de ser usado de forma tão tão diferente por estilos aparentemente tão diferentes como o hiphop e o drum n' bass.
Assim, podemos ouvir o break em:
Eric B & Rakim - Casualties of war [audio]
Outro clássico do hiphop por um duo que tem no "Paid in full" (1986) um dos seus clássicos álbuns. Esta faixa pode ser encontrada no excelente-mas-não-tão-bom "Don't sweat the technique" de 1992.
LTJ Bukem - Music [audio]
Este é o tema que, em 1993, define o tipo de som que o LTJ Bukem passou a fazer - aquilo a que muitos passaram a chamar de intelligent drum n' bass, sons musicais e harmonias planantes, longe da velocidade, do crime sonoro e das vozes aceleradas que caracterizavam muitos dos discos de drum n' bass da altura.
4. THE SOUL SEARCHERS - ASHLEY'S ROACHCLIP
Proveniente da mesma editora - a Sussex - que editou o Dennis Coffey (antes de este ir para a Westbound), cuja história podem ler num post abaixo deste, o álbum que contém este Ashley's Roachclip chama-se "Salt of the Earth" (1974). É um disco cheio de funk, numa altura muito boa para o funk, já maduro mas ainda suficientemente longe das influências (nos dois sentidos) do emergente estilo discosound. O disco tem este break, que o singulariza, mas vale pelo seu todo e é mesmo mesmo essencial para qualquer interessado por funk.
O break, esse, é dos mais fáceis de reconhecer, graças ao som tsst...tsst que o hihat aberto faz no break. E depois de ouvirem o break na sua versão original, aposto que ficaram a pensar "ei, conheço isto tão tão bem!". Por isso, e por pura diversão, vou só meter músicas pop mais do que conhecidas que usaram o break. Por serem mesmo tão conhecidas, vou-me abster de comentários, acho que basta ouvir para perceberem tudo e para reconhecerem nelas o Ashley's Roachclip.
PM Dawn - Set adrift on memory bliss [audio]
EMF - Unbelievable [audio]
Beats International - Dub be good to me [audio]
Milli Vanilli - Girl, you know it's true [audio]
nota : todos os links com a palavra [audio] à frente contêm um pequeno sample em mp3 da música de que se está a falar nesse link