5/01/2008
Wax Poetics # 28
A propósito, aqui fica um texto que saiu na última Op. sobre a edição em livro dos primeiros 5 números da Wax Poetics:
A bíblia
É um mundo estranho este, em que uma revista dedicada a objectos coleccionáveis se torna ela própria objecto de desejo capaz de angariar somas consideráveis em leilões no eBay. Mas é exactamente isso o que se passa com os primeiros números da Wax Poetics, revista dedicada ao mundo do vinil, criada a partir da paixão de uma série de diggers para se assumir como a bíblia de toda uma cultura subterrânea onde o Graal é preto, redondo e impossivelmente funky.
Agora, a Wax Poetics, a “pedido de várias famílias” que pressionavam para que os primeiros números voltassem a ser impressos, resolveu reunir os melhores artigos dos primeiros cinco números da revista, publicados entre 2001 e 2003, e editá-los sob a forma de um livro que leva o título apropriado de “Wax Poetics Anthology, Vol. 1”. A transformação dos conteúdos da revista dirigida por André Torres em livro tem diversos significados. O mais importante dos quais é o facto de, pelo menos simbolicamente, a visão do mundo da Wax Poetics adquirir um estatuto de referência definitiva sobre os assuntos que aborda. Por outro lado, também se reconhece a espessura do pensamento impresso naquelas páginas, assumindo-se a responsabilidade de o passar a este outro formato, mais sério. Mas esse foi sempre um ponto de honra desta revista de que se espera para breve o 26º número: uma escrita de qualidade, que não esconde a paixão pelo objecto da sua atenção e que ainda assim não abdica de rigor histórico e jornalístico.
Logo no primeiro (e hoje muito valioso) número, a Wax Poetics deixava muito claro que as lentes escolhidas para olhar para o passado eram as que o hip hop disponibilizava (provavelmente montadas numa armação Cazal…): o artigo sobre Idris Muhammad dava início a uma série onde outros notáveis bateristas como Bernard Purdie, Clyde Stubblefield ou Jab’O Starks viam a sua obra analisada e o seu crucial contributo para a arquitectura hip hop realçado; por outro lado, homenageava-se a série de compilações Ultimate Breaks & Beats, para muitos o verdadeiro mapa genético de uma cultura erguida a golpes de sampler e gira-discos. A Wax Poetics versa portanto sobre a paixão que o hip hop despertou nos seus colaboradores para os complexos universos do funk e do jazz, do reggae e da soul, da bossa nova e das múltiplas encarnações do afro-beat, da folk e da música experimental, do vinil. As páginas e páginas ilustradas com capas de discos perdidos dão-lhe igualmente uma deliciosa dimensão voyeurística (a expressão “record porn” roda na internet e descreve precisamente isso) que garante ao leitor um misto de prazer e angústia devido ao estatuto praticamente inalcançável de muitas daquelas obras. Finalmente, a arte da colecção, tão importante nas constantes reavaliações do passado que fornecem, afinal de contas, matéria para reinterpretação do presente, é humanizada e enaltecida nestas gloriosas páginas. Na vertigem destes tempos modernos rendidos ao vazio dos MP3, sabe bem ter uma referência assim. Na mesa da sala.
E, já agora, na Current TV: