10/07/2005
Porque não vou à feira da Gare do Oriente?
Em primeiro lugar irrita-me profundamente aquela promoção que anuncia e divulga estas feiras como eventos exóticos onde se encontram uma série de malucos debruçados sobre bancas que vendem uns artefactos arqueológicos estranhíssimos chamados discos de vinil. Depois, e na verdade, já não se trata exactamente de feiras de vinil, uma vez que há tanta gente a vender CDs como LPs. E há ainda outro pormenor: os preços. Em princípio, a ideia de uma feira - seja ela qual for, de queijo de cabra ou de fruta alentejana - é apresentar ao público items a preço reduzido, para promover a indústria específica que organiza a feira. Não é esse, de todo, o caso das feiras de discos. Os tipos das bancas aproveitam sempre para carregar nos preços e quem as frequenta acaba por embarcar, porque: acha que se alguém está a vender numa feira destas é porque é um especialista; se é um especialista está a pedir o preço real do disco; se o disco mereceu lugar nas crates que o homem traz para a feira é porque deve ser mesmo raro. Tudo ideias erradas, claro.
A tal primeira feira de que me lembro, no CCB, correu-me muito bem porque antes de comprar o que quer que fosse tratei de vender um par de discos, um deles uma edição brasileira do início dos anos 60, em LP, de um álbum do Elvis cujo título me escapa agora. Lembro-me que o dinheiro que consegui com esse disco - que tinha sido adquirido dois ou três dias antes numa loja de velharias da Morais Soares, em Lisboa, financiou-me a compra de LPs de Curtis Mayfield, Marvin Gaye e Ohio Players entre outros. Edições americanas da banca de um dealer canadiano que me lembro me terem custado 500 escudos cada. Negócios desses já não há.
Há uns dois anos passei numa das edições desta feira da Gare do Oriente num sábado. procurava uns discos do Paulo de Carvalho para efectuar umas trocas com um tipo japonês que tinha conhecido online e que especificamente me pediu álbuns desse cantor português. De facto encontrei-os nessa feira, mas lembro-me de ficar horrorizado com o preço que o tipo me pediu, seguido de uma longa conversa em que usou palavras como "raro", "difícil" e a expressão "bom negócio". Foi a última vez que puz os pés naquele sítio com aquele propósito. Como já estava em Lisboa, resolvi dar um salto à feira da Ladra onde, coincidência das coincidências, encontrei os mesmíssimos dois discos do Paulo de Carvalho, editados na Orfeu, por 50 cêntimos cada e em estado idêntico.
Claro que estes dealers da Gare do Oriente - alguns pelo menos - têm discos raros. Mas nada que alguma paciência, uma conta paypal e uma ligação à net não resolva. Ou até, nada que um pouco de persistência não ajude a contrariar se se souber onde procurar.
Claro que poderia contar mais histórias e outros exemplos que me dão razão, mas a verdade é que não vejo interesse nestes eventos. Prefiro continuar a ronda das feiras de velharias, das casas de antiguidades, das Cash Converters e de algumas lojas de segunda mão onde as pérolas teimam em continuar a aparecer a preços muito mais convidativos do que estes das feiras. Mas isto sou eu, claro. Para outras pessoas os estímulos, as vantagens e desvantagens, os métodos e as possibilidades serão diferentes. E o que interessa no fim do dia é que cada um de nós encontre o que procura. Ou encontre o que não sabia que procurava, mas que depois de adquirido faz todo o sentido na sua colecção. Tenho a certeza que percebem o que quero dizer. Boa caça!