8/04/2004
DENNIS COFFEY: FUNKY GUITAR MAN
Dennis Coffey é um daqueles gigantes quase invisíveis: o seu trabalho infiltrou-se no tecido da música pop, mas o seu nome parece ser lembrado apenas em círculos muito restritos. Ainda assim, Coffey pode pelo menos reclamar um grande sucesso com o seu próprio nome: Scorpio foi disco de ouro nos Estados Unidos em 1971 e ajudou a traduzir o pulsar de uma nação. Claro que a impressionante longevidade desse tema se fica um pouco a dever ao facto de, ao longo dos anos, a comunidade Hip Hop o ter reactualizado em diversos discos de gente como Busy Bee, Double D & Steinski, Geto Boys, House of Pain, LL Cool J, Lord Finesse, Public Enemy, Queen Latifah, Young MC ou até mesmo Mos Def (em “Universal Magnetic”). Na verdade, Coffey será um dos músicos que mais poderá agradecer ao Hip Hop pelo facto do seu nome não ter desaparecido nas sombras da história. Ainda assim, há um par de anos, em entrevista a Egon (um dos sócios da Stones Throw), Coffey questionava: “isso do sampling é óptimo e ajuda muitos miúdos a conhecerem a minha música, mas onde é que está o meu contrato discográfico? Se eles gostam de me ouvir, dêem-me um contrato!”
Coffey nasceu em Detroit e começou a trabalhar como músico de sessão logo aos 15 anos. O trabalho fazia-se no que aparecia – discos de country ou rockabilly. O facto de a sua paixão por música o levar a ouvir desde Hank Williams no country até Wes Montgomery no jazz ou BB King nos blues levou-o a criar um som único e diferente que o ajudaria a impôr a sua marca.
Em meados dos anos 60, Coffey serviu na Força Área na Carolina do Sul e foi aí que começou a aproximar-se do funk ao tocar com Maurice Williams and the Zodiacs. Depois de regressar da Carolina e antes de ingressar nos míticos Funk Brothers da Motown, Coffey teve tempo ainda para se envolver numa editora chamada Impact e trabalhar numa série de discos que hoje são vistos como clássicos do Northern Soul.
A Motown, nesta época – por volta de 1967 – ainda era uma pura operação de Detroit. Berry Gordy, astuto homem de negócios, sabia que o sucesso dependia da originalidade e por isso criou uma house band para tocar em todos os discos da Motown e impediu-os, por contrato, de gravarem para qualquer outra editora. A banda ficou conhecida como Funk Brothers e só em anos recentes, nomeadamente através do documentário Standing in The Shadows of Motown, é que se percebeu realmente o alcance do seu trabalho quase nunca creditado nas capas dos discos, mas decisivo na arquitectura de sucessos da Motown. À volta do baixista James Jamerson, gente como Pistol Allen, Uriel Jones ou Earl Van Dyke fazia da Motown a bomba pop que Berry desejava, com um som único e distinto a que a competição não chegava. Com a chegada de Norman Whitfield à Motown, um novo som começava a despontar. E Whitfield foi, precisamente, buscar Dennis Coffey para injectar algum psicadelismo em Cloud Nine dos Temptations, chamando-a ainda para trabalhar em discos como Psychedelic Shack.
Nesta época, Coffey trabalhava como um condenado! Além do gig da Motown, que significava sessões diárias, Coffey ainda tocava num clube com um pequeno combo de jazz e gravava sessões para gente como os Dramatics, Wilson Pickett ou Jackie Moore. Do seu trabalho nesse clube nocturno com o organista Lyman Woodward e com o amigo de longa data Mike Theodore haveria de nascer o álbum Hair & Thangs, construído em torno de uma versão de It’s Your Thing que costumava tocar ao vivo. Esse álbum saiu na Maverick, uma pequena independente que não conseguiu empurrar o disco até onde merecia e que faliu pouco depois dessa edição. Foi nesse clube de jazz que Coffey ganhou um profundo amor aos breaks de bateria que haveria de espalhar abundantemente pela sua discografia e que neste Hair & Thangs surgem em quase todos os temas.
Mas Coffey não era homem para estar quieto. Através do seu trabalho com Mike Theodore, Coffey criou o conceito de uma guitar band, um grupo em que pudesse orquestrar a sua guitarra como se orquestra uma secção de metais ou de cordas. Assim, e tirando partido das tecnologias de estúdio, gravava até 9 pistas diferentes de guitarra que, conjugadas, soavam como uma verdadeira orquestra.
Foi no álbum “Evolution” de 1971, onde se encontra o clássico Scorpio, que esse som foi estreado, criando um enorme impacto no mercado e deixando marcas nas tabelas de vendas. Esse foi igualmente o disco que marcou o início da sua associação à Sussex. Scorpio foi um enorme sucesso (tal como o single seguinte, Taurus) e Coffey depressa começou a gravar Electric Coffey, o álbum sucessor feito no mesmo espírito da Guitar Band e onde apareceu o tema Son of Scorpio com outro daqueles breaks memoráveis (tão memorável, de facto, que Breakbeat Lenny haveria de o incluir na mítica série Ultimate Breaks and Beats).
Sempre um homem ocupado, Dennis Coffey ainda teve tempo para trabalhar com Quincy Jones no álbum Body Heat, produzir uma obscura banda de garagem chamada The Gallery e depois deixar a sua marca na banda sonora do clássico de blaxploitation Black Belt Jones.
Entretanto foi editado outro belíssimo álbum, Instant Coffey, de 1974, mas o seu negócio com a Sussex estava a chegar ao fim. Os ventos começavam a transformar a paisagem musical e, claro, Coffey evoluiu com eles mudando-se, a convite de Mike Theodore (o homem da Mike Theodore Orchestra e do clássico Cosmic Wind) para a Westbound onde pôde dar um pouco mais de atenção ao som disco que dominava as tabelas de vendas.
O projecto CJ & Co que criou com Mike Theodore em 1977 valeu-lhe o último grande “hit” com Devil’s Gun, um tema onde as origens funk de Coffey continuavam a estar em evidência, mas onde o beat disco respondia aos novos tempos.
Coffey continou a gravar durante os anos 80 e lançou até um livro de título Guitars, Bars & Motown Superstars onde fala dos seus anos como músico de sessão nos estúdios da Motown oferecendo uma perspectiva fiel sobre a máquina geradora de êxitos montada por Berry Gordy.
E é isso: as pistas estão lançadas aqui. Dennis Coffey é um gigante à espera de ser descoberto. E qualquer digger sabe que os discos lá fora não esperam muito tempo!